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Michael Jackson, Soro da Verdade e Memórias Falsas



O Psicólogo Cético

Investigações questionáveis​​, controversas, e uma novela de alegações em psicologia.

by Scott Lilienfeld


Michael Jackson, Soro da Verdade, e Memórias Falsas




A cobertura da imprensa sobre Michael Jackson omite um fato fundamental.

Publicado em 7de julho de 2009
Por Scott Lilienfeld no Psicólogo Cético


Na esteira da recente morte e funeral do pop superstar Michael Jackson, muitos comentários públicos, naturalmente, voltaram para, bem – bem incomum – vida e estilo de vida dele. Alguns desses comentários foram pensativos, outros, consideravelmente menos. E alguns têm sido irresponsáveis. Um número de figuras proeminentes, entre eles um Representante de New York no Congresso, o deputado Peter King, recentemente afirmou sem qualificação que Michael Jackson era um abusador de crianças. No fim de semana, 04 de julho, King se referiu a Jackson como um "pervertido", "molestador de criança" e "pedófilo".

Na avaliação desses comentários, é crucial notar que Michael Jackson nunca foi considerado culpado de abuso sexual infantil, embora ele tenha liquidado tais acusações fora do tribunal por milhões de dólares.Eu não sei se Michael Jackson nunca molestou uma criança. Suponho que nunca saberemos ao certo (no entanto, se eu fosse de apostar, eu apostaria contra isso). Claramente, Jackson era culpado de excentricidade, ingenuidade e julgamento extremamente pobres – como permitir crianças na cama dele – em várias ocasiões. Mas excentricidade, ingenuidade e falta de bom senso não são contra a lei.

A cobertura sobre o abuso sexual contra Jackson tem normalmente omitido um fato crucial. Uma das duas acusações que receberam maior cobertura de imprensa veio à tona em 1993, quando Evan Chandler abriu um processo contra Jackson, por abusar sexualmente do filho dele, Jordan, de 13 anos. Na época, a imprensa informou amplamente que Jordan Chandler acusou Jackson de realizar sexo oral nele, e que Chandler forneceu às autoridades policiais uma descrição da genitália de Jackson. Eventualmente, Jackson resolveu este caso fora do tribunal por US $ 22 milhões; alguns têm argumentado que este acordo é uma evidência prima facie da culpa dele, enquanto outros têm argumentado que, compreensivelmente, Jackson queria evitar um julgamento civil prolongado e emocionalmente esgotante. Eu não sei qual é o lado correto, por isso vou reter o julgamento sobre essa questão aqui.

Então, qual é o fato crucial que a maior parte da cobertura da imprensa omitiu? É que Jordan Chandler aparentemente nunca fez qualquer acusação contra Jackson até que seu pai, um dentista registrado, deu a ele amytal sódico durante uma extração de dente. Só então, o suposto abuso sexual de Jackson emergiu; os relatórios de Jordan Chandler tornaram-se mais elaborados e embelezados durante uma sessão, mais tarde, com um psiquiatra.

Amytal de sódio é um barbitúrico e uma das variantes mais usadas do que é popularmente conhecido como "soro da verdade", o que é um equívoco espetacular. Não há nenhuma evidência científica de que o amytal sódico ou outros soros da verdade supostamente aumentam a precisão das memórias. Ao contrário, como o psiquiatra August Piper tem observado, há uma boa razão para acreditar que soros da verdade apenas diminuem o limite para informar quase toda informação, tanto verdadeira, quanto falsas. Como consequência, assim como outros sugestivos procedimentos terapêuticos, tais como a imaginação guiada, repetidos questionamentos, hipnose e diários de emoções, soros da verdade podem realmente aumentar o risco de falsas memórias – as memórias de acontecimentos que nunca ocorreram, mas contadas com grande convicção.
  

Leia um artigo do psiquiatra August Piper Jr. sobre amytal aqui:

De fato, devido aos efeitos fisiológicos, as ações dos barbitúricos são semelhantes, em muitos aspectos, as do álcool, os efeitos da ingestão de amytal sódico são, provavelmente, semelhantes à ingestão de algumas bebidas forte. Quando estamos completamente bêbados, é mais provável que diremos muitas mais coisas que quando estamos sóbrios, apenas alguns deles precisas. Além disso, como observa Piper, existem evidências esmagadoras de que as pessoas podem distorcer a verdade ou mentir sob a influência de soro da verdade.

Nada disso prova, é claro, que Jordan Chandler não foi abusado sexualmente. Mas o fato de que seus relatos de abuso, aparentemente, surgiram apenas após a administração de amytal sódico, significa que devemos ver esses relatórios com mais de uma dose de ceticismo saudável.

Como sempre, na avaliação de alegações de abuso sexual, precisamos andar em uma linha fina. Precisamos ter cuidado para não descartar quaisquer dessas reivindicações arrogantemente, como sabemos muito bem que algumas deles são verdadeiras. Ao mesmo tempo, precisamos ter cuidado para não sacar uma arma contra o acusado, pois também sabemos muito bem que algumas dessas alegações são falsas. E de particular relevância para o caso de Jackson, a evidência científica nos lembra de ser especialmente duvidosos em relação a reivindicações que surgem apenas após a administração de procedimentos sugestivos de memória.


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Scott Lilienfeld é um psicólogo clínico e professor de Psicologia da Universidade Emory, em Atlanta. Scott ganhou seu diploma de bacharel em psicologia pela Universidade de Cornell e seu Ph.D. da Universidade de Minnesota. Suas principais áreas de pesquisa são transtornos de personalidade, classificação e diagnóstico psiquiátrico, práticas baseadas em evidências na psicologia e os desafios colocados pela pseudociência psicologia clínica. Scott recebeu o Prêmio David Shakow em 1998 por Precoces Contribuições para a Psicologia Clínica, é membro da Association for Psychological Science, e é ex-presidente da Sociedade para uma ciência da Psicologia Clínica. Ele é o co-autor de “Ciência e Pseudociência em Psicologia Clínica e Psicologia: Do Inquérito ao entendimento”.

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Notas da tradutora:
 
É necessário que se faça alguns esclarecimentos, já que o autor do texto se concentrou na questão amytal sódico e não se saiu muito bem quanto a outras questões relevantes:
 
1.
O acordo pactuado em 1993 entre Michael Jackson e os Chandlers foi de U$$15, 331,250 e pago pela seguradora de Michael, que tinha o direito de intervir no processo (conforme as leias americanas) e propor um acordo, para evitar um prejuízo ainda maior para si mesma. Isso é uma medida corriqueira. Em processo com esse, o que se busca é exatamente um acordo com a seguradora, conforme explicou o advogado Brian Oxman, em uma entrevista a Larry King, em 1994 e como você pode compreender melhor lendo este artigo.
 
2.
O acordo colocou fim ao processo civil, apenas, e não prejudicou o processo criminal, uma vez que não há (nem poderia haver) cláusula que proibisse os Chandlers de testemunhar na esfera penal. O desejo de Michael era impedir que os Chandlers voltassem a acusá-lo na imprensa ou falassem sobre o caso publicamente. O que, aliás, não foi respeitado pelos Chandlers, pois Ray Chandler publicou um livro sobre o episódio de conteúdo bastante difamatório.
 
3.
O acordo foi supervisionado por um juiz (pois conforme estabelece a lei americana, quando há interesse de um menor envolvido, um juiz é nomeado para assegurar que serão respeitados os direitos da criança) e homologado pelo juiz civil que julgava a causa. Portanto foi absolutamente legal e realizado no curso de um processo civil, em conformidade com a lei. E não consistiu em uma espécie de suborno, como insinuam. Quando é dito que o caso foi resolvido fora do tribunal, essa afirmação não está totalmente correta, uma vez que o caso foi resolvido no tribunal, sim, mas em uma audiência de conciliação (que é obrigatoriamente realizada, por imposição legal) e apenas evitou que o caso fosse levado a julgamento (civil) popular. Lembrando que ações de indenização também são levadas a júri popular nos Estados Unidos.
 
4.
Houve vários motivos para que o acordo fosse realizado:
 
Nenhuma das partes queria um processo prolongado, principalmente os Chandlers, conforme o que diz o irmão do próprio Evan Chandler, no livro intitulado “All That Glitter”, onde fala que “Todos (Evan e a ex-esposa, June, e os advogados) concordavam que seria melhor resolver o caso de forma discreta com um lucrativo acordo financeiro a arrastá-lo por anos... Além disso, seria impossível condenar Michael sem a existência de outra vítima". (Note que ele afirma que não havia outra vítima. O que é interessante, pois não existe pedófilo com apenas uma vítima, segundo o psiquiatra americano Phillip Resnick. Curioso que Rau Chandler tenha afirmado não existir outra vítima, não?) Leia mais sobre isso aqui:
 
 
Além disso, havia razões financeiras, pois se o caso se prolongasse, o custo poderia ser ainda maior que o pedido inicial de indenização (30 milhões de dólares), pois só os honorários advocatícios consistiam em uma fábula.
Havia também razões processuais, pois o processo civil deveria ter sido suspenso ate decisão na esfera criminal, uma vez que o processo civil pode prejudicar a defesa do réu no processo criminal, dado que a estratégia de defesa já teria sido revelada. Seria como participar de um jogo de pôquer com as cartas já reveladas.
A Quinta Emenda da Constituição Americana garante ao réu o direito a um julgamento justo, e isso significa que o processo civil deve ser suspenso até decisão na esfera criminal, para que a defesa não seja prejudicada. Por essa razão, o advogado de Michael, na época, Bert Fields, apresentou o pedido de suspensão. O advogado dos Chandler, Larry Feldman, contra-argumentou que Jordan “esqueceria os fatos no decurso do tempo em que estivesse esperando uma decisão na esfera criminal” (parece que esqueceram que existe o instituto de “produção antecipada de provas” e que o testemunho de Jordan poderia ter sido colhido imediatamente) e assim o pedido de suspensão foi negado, violando o direito de Michael Jackson garantido pela Quinta Emenda.
Na época, o movimento de Fields foi criticado até pelos associados de Michael Jackson. Mas Bert Fields estava correto, o processo civil deveria ser suspenso, ocorre que as pessoas em torno de Michael estavam mais preocupados com o prejuízo que a publicidade negativa poderia provocar a longo prazo. Queriam apenas que tudo fosse encerrado o mais rápido possível e que Michael voltasse a trabalhar e a gerar lucros. Chateado, Fields pediu demissão e Johnny Cochran o substituiu. Cochran, ao contrário e Fields, que era totalmente contra um acordo, queria fazê-lo imediatamente. (Será que o fato de Cochran e Larry Feldman serem muito amigos pesou?) Hoje em dia, o próprio Feldman afirma que o movimento de Fields foi absolutamente correto, pois ele estava apenas tentando garantir o direito de Michael a um julgamento justo, mas felizmente, para ele, Feldman, todo mundo intendeu errado tal medida.
 
Havia, ainda, a publicidade negativa. A imprensa estava massacrando Michael Jackson, até mesmo pagando por histórias falsas de abuso sexual contada por ex-empregados dele, desejosos de dinheiro fácil. Era preciso acabar com a bagunça provocada pela mídia.
 
5.
Como dito, o acordo colocou fim ao processo civil, não ao criminal. As investigações prosseguiram após a efetuação do acordo; uma investigação maciça, importante que se diga, ao comando de duas promotorias (a de Santa Bárbara, por Tom Sneddon, um promotor obsessivo que perseguiu Michael Jackson por doze anos; e de Los Angeles, através de Gill Garcetti); pelos Departamentos de Polícia dos dois condados; os Departamentos de Serviço às Crianças e à Família, dos dois condados; e pelo FBI. Milhões de dólares foram gastos com investigações, mais de noventa pessoas foram ouvidas, dentre elas dezenas de crianças que conviveram com Michael Jackson e nada que corroborasse as acusações dos Chandler foi encontrado.
Sendo assim, dois grandes juris decidiram não indiciar Michael. Grande Júri é um júri formado por 23 membros reunidos em segredo. Nesta fase do processo, não há participação da defesa, um advogado sequer presencia o procedimento. Nem mesmo o réu presencia. Apenas a promotoria apresenta o caso e as provas que possuir e, assim, os membros do grande júri decidem se há motivos para indiciar o suspeito. Se decidirem positivamente, essa decisão é reduzida a termo (ou seja, é escrita) e direcionada ao juiz. É só então que o suspeito é chamado para se manifestar, declarando-se culpado ou inocente. Se ele se declarar culpado o caso está encerrado e o juiz aplica a pena. Se ele se declarar inocente o caso é enviado ao “pequeno júri”, que é um júri propriamente dito, a quem cabe julgar. Somente nessa fase a defesa se manifesta, há contraditório e apresentação de provas de ambas as partes. O Grande Júri tem, basicamente, a função de “filtrar”, fazer uma triagem, enviando ao “pequeno júriapenas os casos relevantes, nos quais há indício de que um crime aconteceu.
Se quiser saber mais sobre o Grande Júri leia aqui:
 
 
Pois bem, dois (eu disse dois!) grandes juris, um em Los Angeles e outro em Santa Bárbara, decidiram não indiciar Michael Jackson por TOTAL AUSÊNCIA DE MOTIVOS.
Dessa forma, quando 46 pessoas, que escutaram as acusações por parte dos promotores, que ouviram testemunhos, que ouviram a história de Jordan Chandler, e, por outro lado, não tiveram a oportunidade de escutar nem uma única palavra em defesa de Michael Jackson, decidiram que não havia motivo para indiciá-lo, é justo que se diga que não há certeza de que ele não cometeu o crime?
 
6.
A descrição dos genitais de Michael fornecido por Jordan Chandler estava totalmente equivocado e prova disso é que o advogado dele, Larry Feldman, pediu que as fotos fossem retiradas do processo. Por que ele pediria isso? Ora, simplesmente porque as fotos dos genitais  fizeram prova a favor de Michael.
 
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7.
O psiquiatra a quem Jordan contou a história recheada de fantasias sexuais dele foi Mathis Abrams, que, como era obrigado por lei, denunciou às autoridades a suspeita de que um menor havia sido molestado. Abrams não era especialista em pedofilia, nem era um pediatra, mas era especialista em criar memórias. Ele não voltou a falar com Jordan. E nunca examinou Michael Jackson. No entanto, outro psiquiatra, Richard Gardner, esse, sim especialista em pedofilia e, muito importante, falsas acusações de abuso sexual infantil, examinou Jordan Chandler e afirmou que a história dele era inconsistente.
 
8.
Alguns questionam que não há provas de que Evan aplicou amytal em Jordan, porém, isso foi admitido pelo próprio Evan, conforme conta o irmão dele, Ray Chandler, no livro “All That Glitters”. Segundo Ray, Evan também aplicou uma droga em Michael, porque o astro estava com forte dor de cabeça, em uma ocasião em que Michael estava hospedado na casa dele e que a droga (um suposto analgésico) deixou Michael Jackson completamente grogue, quase sem consciência. Interessante, não? Evan drogou Michael com algo que, obviamente não, era um analgésico. Sabe-se lá o que ele pode ter feito com Michael naquele dia.
 

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